IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO

Quando gênios se encontram em um dia de Sol

ou quando trabalham junto de Chihiro numa casa de banhos

Edu Berlim

1/22/20252 min read

Qualquer pessoa que tenha visto duas ou três animações do Studio Ghibli é capaz de perceber o brilhantismo de Hayao Miyazaki. Sem quaisquer limites para o seu imaginário, Miyazaki é capaz de contar histórias belíssimas, recheadas de algo tão lúdico quanto a própria existência. Suas jornadas pelo mágico e pelo lúdico, sua forte mensagem antiguerra e sua paixão pela natureza, são a marca de um storytelling perfeito, capaz de alçar voos que poucos artistas conseguiram de fato.

Mas não é do gênio de Myazaki que me proponho a falar aqui, mas de outro poeta singular: Joe Hisaisihi. Nascido em Nagano com o nome de Mamoru Fujisawa, iniciou o estudo do violino ainda aos cinco anos de idade. Sua paixão pela música o levou a buscar uma formação musical no Kunitachi College of Music, em Tóquio. Em 1974 seu primeiro sucesso no para uma animação. Isso transformou sua vida. Hisaishi se tornou diretor musical, maestro e compositor (especialmente de animações), alcançando um verdadeiro status junto de Miyazaki no ano de 1983, ao produzir a trilha sonora de ‘Nausicaä do Vale do Vento’.

Seu estilo único, misturando música romântica, neoclássica e toques de uma música eletrônica com uma música clássica japonesa permitiu o nascimento de músicas inacreditavelmente belas. Castle in The Sky, Marry-Go-Round of Life e, é claro, One Summer’s Day são obras singulares, dotadas de sentimentos que combinam na medida da perfeição com a obra de Hisaishi.

Dentre suas mais belas criações, que inspiraram o apelido de “Quincy Jones do Japão” (Joe Hisaishi é, por sinal, uma forma de transcrever o nome do Quincy para o japonês), há detalhes que parecem passar despercebidos mesmo por músicos experientes. Hiaishi tem a capacidade única de fazer com que dissonâncias se tornem agradáveis aos ouvidos, além de usar formas harmônicas bastante incomuns. ‘One Summer’s Day’, a conhecidíssima trilha de ‘A Viagem de Chihiro’, é uma toda formada por harmonia qual, saindo das costumeiras tríades e tétrades baseadas em terças.

Esse tipo de harmonia não é comumente vista fora de algumas linhas de jazz e é claramente uma especialidade do pianista McCoy Tyner (especialmente em seus trabalhos junto de Coltrane), mas que também pode ser encontrada em peças como a ‘La cathédrale engloutie’ de Debussy, em alguns trabalhos de Charles Ives e (óbvio!) no pai da música atonal e dodecafônica, Arnold Schonberg.

O que muda de Hisaishi para nomes como Frank Zappa, Herbie Hancock e Heitor Villa-Lobos (‘Nonet’ e uma peça de harmonia quartal), é a capacidade de apresentar um som agradável com harmonias incomuns e dissonâncias agressivas. Se o “estranho” mostra-se tão perceptível no jazz ‘Kind of Blues’ de Miles Davis, o mesmo não ocorre em ‘Meu Amigo Totoro’: o estranho é comum e banal. Tão comum e banal quanto crianças que brincam com espíritos das florestas ou que trabalham em casas de banhos termais do mundo dos mortos. Enfim... É mágico...