IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO

Os Quatro Elementos no Tarot

parte 02

Eduardo Berlim

8/26/20253 min read

Ainda observando trechos do livro ‘Elogio aos Quatro Temperamentos’, do Ítalo Marsili, passemos a um trecho sobre o melancólico:

Seu drama é atravessar os tempos convencido

de que sua chama é fria e seu ventre, maciço;

de que extrai das entranhas férteis da existência

não mais que o duro grão de tímida ciência

capaz de elucidar

a undécima porção de quanto quer sondar.

Saturno rege a melancolia na astrologia tradicional, sendo este uma espécie censor: aquele que verifica o exame das obras, o exame da arte, o exame da cultura. Não é nenhuma surpresa perceber que a cultura, o cultivo, este atrelado aos signos de terra por excelência, pois é neles que o plantio se aponta.

Essa ideia da melancolia enquanto cultivo nos aponta, a princípio, para três arcanos fundamentais graças ao elemento e a mais um arcano graças ao regimento planetário. É um tanto evidente perceber que o Hierofante é um certo tipo melancólico, mas essa análise só é possível para quem compreende o que significa este temperamento. Inclusive, há uma confusão geral que pode ser elucidada com um trecho do mesmo livro já citado:

Os melancólicos não são tristes, e nem destinados à tristeza. São, ao contrário, indivíduos de convivência muito agradável, dada sua profundidade e solidez naturais para compreender a natureza e o funcionamento interior do melancólico é preciso meditar sobre suas duas características: a frieza e a secura”.

Esse entendimento do “frio e seco” é o que costuma ser motivo de controvérsias – e é evidente que o nome não ajude tanto. Melancólico deriva do grego μελαγχολία (‘melancholia’), significando “a bile negra”. Essa ideia pode, sim, carregar a conotação de um estado depressivo, tristonho, mas também passa a se evidenciar sua correspondência com Cronos/Saturno, o devorador dos próprios filhos. Ao ser enganado por Zeus, Cronos vomita a “bile negra” que consistia nos próprios deuses olimpianos – talvez sendo este o episódio mais visceral da Titanomaquia, parte fundamental da cosmogonia grega.

Qual então seria a “bile negra” despejada pelo arcano do Hierofante se não o conhecimento acumulado por tantos anos de digestão? O Hierofante, enquanto ente, precisa ter sido algo em seu passado. Ele é, por excelência, um Pai/Mãe do Louco que adquiriu um saber tão transcendental que tornou-se capaz de ensinar. Não importa se o seu caminho foi de Imperatriz, Imperador, Mago ou Sacerdotisa, o que importa é o que ele é agora: um estatuto completo do saber, a fundamentação última, a Igreja enquanto instituição milenar. O Hierofante é Touro, o signo que sedimenta.

Quem casa, quer casa” pode ser facilmente verificado como o mote do signo do plantio, daquele que usa o touro como puxador do arado. Ninguém realiza o plantio se não for para habitar a terra. O esforço vazio, sem propósito, não é característica do temperamento melancólico.

Não é à toa que podemos perceber o mesmo comportamento nos outros dois arcanos de terra: o Eremita e o Diabo. São arcanos de certa lentidão, de certa correspondência cronológica fundamental. Ambos atuam institucionalmente, sendo referências óbvias daquilo que precisa ser feito – ou do que precisa ser evitado. O Diabo é o adversário sempre presente, sendo Cronos o Diabo de Zeus e Zeus o Diabo de Cronos.

O Eremita é um verbo que não existe: eremitar, ou seja, “morar no deserto, morar na solidão”. Nisso se implica a mesma lentidão, o mesmo viés de conservar a instituição que possui sólidas pilastras estruturais. Podemos dizer que estes arcanos seriam uma árdua tarefa de algum episódio de ‘Irmãos à Obra’, pois estariam ligados àquela casa de fundações sólidas no melhor estilo arquitetura portuguesa. “Duros como o caroço da azeitona no meio da bacalhoada”, diria minha bisavó.

O Mundo, último arcano deste temperamento, também não é dado as mudanças ou as alterações, sendo o que sempre foi e o que sempre será. A melancolia presente nele é a melancolia de Dorothy ao pronunciar que “não há lugar como o nosso lar”: quem tem casa sempre quer voltar para casa! Saturno aqui, enquanto melancólico, é a necessidade de voltar e arar o solo árido, seco e frio.

Essa regência da melancolia também explica por que Saturno é o regente do signo de ar capaz de se fixar no mundo, um “sub-temperamento” de Aquário e do arcano da Estrela. A esperança precisa de mudança, mas ela é tão sólida quando o Mundo para o qual Dorothy quer voltar... Só que isso é papo para outro texto...