IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO

Oração Hermética em Análise [Parte 01]

começando a loucura...

Eduardo Berlim

6/16/20254 min read

Já faz algum tempo que um artigo meu chamado ‘Criando Orações Herméticas’ foi publicado no Morte Súbita Inc. Ali eu discorro, de forma “não-tão-breve” sobre a ideia de criarmos nossas próprias orações, de criarmos nosso próprio contato com o divino através de uma premissa de Arte e de poesia.

É claro que não estou apresentando ali uma poética em perfeito molde peripatético, mas é invariável que este efeito surja de forma natural quando estruturamos uma oração adequada nos dias de hoje. Eu gosto de ressaltar que “oração é frase que contém Verbo”, pois acredito que isto, por si só, já diga muito mais do que estamos acostumados a ouvir.

Aristóteles fala de uma mimesis que se evidencia como ato de prudência na construção de nossas próprias orações – a imitação é a primeira arte, é a arte das crianças que imitam o pôr-do-sol com crayons amarelos e alaranjados. Isso nos permitiria, por exemplo, mimetizar os sete pedidos presentes no Pai Nosso, compreendendo que sete é um número de eternidade. Aqui, devemos lembrar que Netzach é uma esfera que carrega ‘eternidade’ como possível tradução, não apenas ‘vitória’ – um sinal de que a Vitória na base do Pilar da Misericórdia precisa, antes de tudo ser Eterna.

Que um gole de Eternidade me seja dado hoje

Por intermédio do Altíssimo, que é nosso Criador,

Nos dê permanência, vitória e conquista

que todo passo nosso seja uma obra de louvor

E é justamente a isso que faço referência na oração que me acompanha às sextas-feiras. O ‘gole de Eternidade’ que peço é mimesis peripatética do próprio encantamento presente na oração ensinada pelo Cristo Jesus. Este é “Santificado seja o Vosso Nome” e é o Reino que vem a nós quando a Eternidade toca Malkuth por um instante.

É evidente que sigo certo ar de tragédia, tão comum nas orações católicas. Desde cedo nesta minha breve oração, afirmo categoricamente que me falta permanência, vitória e conquista e (mais do que isso!) me falta ser capaz de criar uma obra de louvor por minha própria índole, por meu próprio temperamento. É este temperamento que guia a criação da oração, por sinal – um temperamento tão conturbado que os infinitos testes da minha psicóloga seguem encontrando um empate entre o melancólico e o colérico.

A tragédia gera a catarse e a catarse gera a anagnórise, a descoberta da verdade essencial última, a descoberta do meu breve fragmento do céu que é um fractal do Deus que meu coração insiste em crer. Esta é a obra de louvor que vislumbro no início do sexto dia da criação: é o dia da formação do homem, é o dia da formação dos animais. Assim, o pedido por permanência é um pedido por imortalidade, algo que somente a Arte pode nos alçar; o pedido por vitória é um pedido pelo reencontro com o divino, algo que também é matéria da Arte; e o pedido por conquista é um pedido de socorro de quem vê a Opus dos Magnos de toda a raça humana – é um pedido para que, tal qual Homero, algo que eu criei possa um dia figurar no panteão dos imortais.

Nossos nomes podem ser esquecidos, mas algo de nós deve permanecer para sempre: é esta permanência que peço, é esta permanência que vislumbro. Se meu avô deixou um filho, que lhe deixou um neto, que lhe deixou um bisneto, sinto que sua obra de eternidade está encaminhada. Mas o que eu fiz até aqui, afinal?

Se um bisneto meu chegar à vida um dia, sei que algo terá sido feito. Se eu não tiver essa sorte, meu caminho se envereda pela poética, pela música, pela escrita – e nada disso poderá ser feito em areia. Mas percebam, ao mesmo tempo, que se este único verso meu for escrito na nova Delfos das IA’s que oraculam a vida do mundo vindouro e, desta forma, povos futuros observarem nossa língua arcaica e proferirem que “o gole de eternidade que nos é dado hoje” é uma perfeita contribuição do “conhece-te a ti mesmo”, terei garantido a imortalidade de todos os meus ancestrais.

O poema continua, a oração continua. São sete versos para a sétima esfera, são sete pedidos para o sexto dia – o dia em que tudo se inicia, o dia em que o homem recém-criado é capaz de ver o imaginário que forma Deus, o imaginário que forma o Éden. É neste dia que Yesod se torna condescendente conosco e nos mostra o brilho de Netzach que a toca. Deus, em seus Trajes de Glória, em suas Vestes de Vitória, aparece reluzente no céu, no “mundo de cabeça-para-baixo” que é a imaginação.

É por isso que este verso tem exatas sessenta e três sílabas: é Yesod multiplicada por Netzach em um poema que precisa de múltiplos de sete em cada estrofe. Esse é o meu vislumbre do incompreensível – ou, como está no texto original do MSinc “[...] a mente inquieta de um ser que tenta racionalizar o infinito só pode ser aclamada quando atendida dentro de sua própria loucura”.

Talvez eu siga analisando estes versos. Gosto de pensar que sim.

De qualquer forma, lhes entrego a oração completa:

Que um gole de Eternidade me seja dado hoje

Por intermédio do Altíssimo, que é nosso Criador,

Nos dê permanência, vitória e conquista

que todo passo nosso seja uma obra de louvor

Que a filha dos poderosos nos abençoe

Através de sua porta para a eternidade

Com a visão da beleza triunfante

Nos levando aos desígnios da santidade

Para escaparmos do fracasso da terra

E do Senhor do Sucesso Não Realizado

Sendo agraciados com as riquezas de mil eras

Através do Nome Santo Abençoado

Para não cairmos na futilidade da inteligência,

nas artimanhas do Senhor do Esforço Instável,

Sendo disciplinados por meio da experiência

Através do Santo Espírito Manifestado

E para que a corrupção não nos aflija

Assim como o Senhor do Sucesso Ilusório

E que nossa emoção seja arte a plena vista

Através do Nome Santo mais notório

Para que a coragem sobressalte a nossa alma

E que possamos provar nosso valor

Pois é na Eternidade que encontramos nossa calma

Sendo uma só parte com o Criador

E que eternamente eu possa te louvar

por tua esfera base de toda misericórdia

Como a balança que pesa e o touro que ara

Buscando a beleza triunfante para minha Vitória