IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO

O virtuosismo musical nas bandas de rock n’ roll

and Paganini is The Devil

Eduardo Berlim

1/8/20254 min read

Para os músicos há um nível de capacidade técnica e interpretativa altamente almejado comumente chamado de “virtuose”. Tipicamente considerado parte necessária ao estudo do jazz e da música erudita, ele surge mais raramente na música popular através de um altíssimo nível de dedicação.

Músicos nos tradicionais conservatórios ou nas escolas de nível Julliard e Berklee são vistos como naturais virtuosos da música, mas não é a escola que faz o aluno. Berklee conta com uma lista de nomes que pode incluir Mike Portnoy, Quincy Jones e John Mayer, assim como Julliard mantém os seus Miles Davis, Nina Simone e Itzhak Perlman e até o Conservatório Brasileiro de Música se orgulha de nomes como Ernani Aguiar, Guerra-Peixe e do Padre José Maurício Nunes Garcia. O que raramente se conta sobre isso é o tempo de dedicação que estes nomes dedicaram ao estudo musical.

A Arte, da mesma forma como conhecemos em magia, é um misto de técnica, fé e inspiração, mas nada disso pode ser conquistado sem dedicação. É comum se dizer que algo entre seis e oito horas de estudo diárias são necessárias para se alcançar o virtuosismo musical e posso assegurar, por minha própria experiência, que o desgaste é absoluto, mas traz resultados altamente satisfatórios.

Há algum limitador que se quebra dentro de si mesmo através do estudo contínuo de alta performance e isso deveria ser almejado. Mesmo que a vida cotidiana faça questão de nos impedir de alcançar tantas horas diárias de dedicação, reduzir a carga só amplia o tempo no longo prazo. Um virtuose musical capaz de se dedicar oito horas diárias conseguirá em dez anos algo próximo do que outro que se dedica por apenas duas horas conseguirá em quarenta.

Mas em música quase nada é competição – e na vida do magista também não é. Devemos apreciar o trabalho árduo de quem consegue uma dedicação do nível de John Dee, Trithemius e Agrippa, mas sem criar um elo comparativo real. Em música, os virtuoses tendem a ser apreciados por uma maioria e almejados por uma minoria insana o suficiente para pagar o preço da insanidade da arte. É plenamente possível que a maior parte de nós possa se dedicar uma ou duas horas por dia ao estudo da Arte e se pudermos ter aulas e conversas com aqueles que se dedicam por oito horas ou mais, que sorte a nossa! Que atalho magnífico isso se torna!

Assim, separei uma banda de rock virtuose de cada década para este tipo de apreciação. Por que rock? Porque eu gosto. E porque é bom tirar de mente que há algo nas drogas, na vida indisciplinada e vulgar e nas orgias insanas que torne um músico capaz daquilo que ninguém mais pode fazer... É só estudo, dedicação e solidão. Não existe gênio sem esforço.

Rush foi uma banda canadense fundada em 1968, em Toronto. Geddy Lee, Alex Lifeson e John Rutsey (posteriormente substituído por Neil Peart) foram capazes de apresentar no palco aquilo que bandas muito mais numerosas mostrou-se incapaz de reproduzir. Tocar teclado com os pés enquanto canta e toca o baixo certamente não era a habilidade mais assustadora de Lee, mas a capacidade de compor uma música instrumental que faria toda a plateia cantar junto... É... Esta é uma habilidade impressionante...

O Gentle Giant dos irmãos Shulman é o monstro que nasce nos anos 1970 trazendo uma influência filosófica ao rock progressivo. Com muita inspiração em Rabelais (criador da Abbaye de Thélème), o trabalho conceitual que trouxe a música barroca ao rock 70 é altamente poderoso.

Só de saber que John Petrucci, guitarrista do Dream Theather, é o terceiro guitarrista do G3 (ao lado de Steve Vai e Joe Satriani), já é o suficiente para nos mostrar o monstro musical que é esta banda. O baterista Mike Portnoy também não fica para trás, sendo considerado um dos quatro melhores bateristas do rock de todos os tempos (ao lado de Neil Peart, John Bonham e Travis Barker), tampouco o anômalo tecladista Jordan Rudess (muitas vezes comparado com Rick Wakeman e com Keith Emmerson). Capaz de transitar em variações de rock progressivo e metal, há uma complexidade melódica que alça a banda ao status de virtuose.

Os ingleses Matt Bellamy, Chris Wolstenholme e Dominic Howard formaram o Muse em 1994. Apesar de certos incautos considerarem a banda mais próxima de algum tipo de rock progressivo pop (e de tentar descaracterizar sua qualidade musical através disso), qualquer um que tentou tocar uma música do trio com uma formação similar percebeu que existem linhas bastante complexas de guitarra, baixo, teclado e vocal. As baterias não-ortodoxas que acompanham em ritmos cadenciados e uma forte inspiração em Sergei Rachmaninoff, acordes que parecem não fazer sentido e o fato de três pessoas parecerem uma multidão tornou os ingleses dignos de honrarias bastante importantes. Seu space rock (como denominaram) ainda chegou a criar álbuns com inspirações futuristas e até um álbum inteiro baseado no livro 1984 de George Orwell.

Criação dos guitarristas Herman Li e Sam Totman, o Dragon Force (como ficou conhecido após 2002) é uma banda de power metal londrina conhecida por ter a “música mais difícil do Guitar Hero”. Por sinal, qualquer guitarrista que já tentou tocar ‘Through The Fire And Flames’ fora do videogame percebeu que o mundo real é infinitamente mais cruel com os pobres dedos de um ser humano que tenta alcançar um nível insano de habilidade...

O Polyphia fecha esta pequena lista, sendo uma banda texana nascida em 2010. Os mitos de músicas criadas apenas por computador e que eram dubladas por seus integrantes fez com que o guitarrista Tim Henson passasse a postar vídeos tocando suas linhas de guitarra nas redes sociais com “som de celular”. Essa simples acusação já é assustadora o suficiente e mostra que o som do Polyphia não foi apenas considerado difícil ou virtuoso, mas literalmente impossível. Uma precisão técnica capaz de reproduzir sonoridades puramente eletrônicas como o techno e o trap, linhas de guitarra compostas no teclado/piano e baterias com linhas consideradas impossíveis fora de um computador trouxeram a banda para um pódio inigualável na última década.