IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO

O Processo Criativo

como enlouquecer em passos simples

Edu Berlim

7/7/20254 min read

Pouco tempo atrás estava me dedicando a ir atrás de detalhes da história de grandes compositores. Devo dizer que há uma diferença entre observar-se a 'história da música' e a 'história biográfica dos compositores que formam os períodos da música' - e que isso é fundamental para compreendermos pequenas questões e seu surgimento.

A despeito de magia, poderia dizer que há clara diferença entre se estudar a história de John Dee e do Dr. Rudd e tentar entender como a Mesa Santa foi chegar no trabalho de Rudd (ainda mais quando consideramos que ela esteve desaparecida por mais de um século e de que, teoricamente, Dee não a havia apresentado a ninguém). Conhecer a história de Dee e Rudd pode trazer algum esclarecimento sobre o tipo de magia desenvolvido e praticado em seus períodos temporais, mas não será capaz de apresentar algum argumento que explique essa transição da Mesa Santa.

Aliás, nenhum estudo biográfico te fará levantar questões sobre como o Sigillum Dei Aemeth pode se parecer tanto com as Ars de um Raimundo Lúlio que morreu trezentos anos antes do Dee nascer (seja o Ars Brevis, Ars Magna, Ars Demonstrativa etc.). Traduzindo em miúdos: a história do período e sua relação com períodos anteriores nos permite ver de onde surge a inspiração, o estudo biográfico nos permite ver como a inspiração é aplicada.

Em música, nada disso é diferente. Beethoven não conseguiu ser aluno de Mozart e isso talvez tenha sido o melhor caminho - mesmo tendo sido terrível para o mano Bee. As criações que lhe foram permitidas pela Arte acabaram formando um movimento poderoso, já que dentro da chamada 'Primeira Escola de Viena' que vemos Beethoven trazer o início do 'período romântico' após o 'período clássico' de Mozart (e, sim, música clássica é basicamente o período de Mozart, Haydn e contemporâneos apenas).

Chopin, que eternamente consta na minha lista de compositores favoritos para esta vida, é outro compositor romântico que fundamenta toda a estrutura da música de um período. Mas é só através de sua história que descobrimos os motivos que o levaram a não compor uma sinfonia: ele acreditava que nada seria capaz de ser bem-feito após a 'Sinfonia Coral' (Sinfonia no. 9, Op. 125 de Ludwig Van Beethoven). Pessoalmente, tendo a concordar com o polonês e faço coro à ideia de que nenhuma sinfonia foi capaz de superar a no. 9.

Isso não significa que belíssimas sinfonias não tenham sido criadas desde então ou que o trabalho de Chopin não seja monumental. Entre polonaises, noturnos, baladas, estudos e concertos, aquele que era chamado de 'O Poeta do Piano' era um gênio absoluto, digno de rivalizar com 'O Príncipe do Piano', o húngaro Franz Liszt.

Agora, o que é muito interessante de se observar é o processo criativo de Chopin. Tal qual John Dee, seu processo era uma espécie de catarse de loucura - não que isso tenha culminado com um episódio de troca de esposas (apesar do casamento conturbado de Chopin). Há algo de maravilhoso em se tocar a Arte e há algo de enlouquecedor e cruel também - e tudo isso deveria nos servir de aviso antes de adentrarmos coisas perigosas como Arte e Magia.

George Sand, esposa de Frédéric, escreveu a respeito do seu processo criativo. Deixo com vocês um pequeno trecho (em tradução livre, perdoem o meu francês) retirado de 'George Sand, sa vie et ses œuvres':

"A sua criação era espontânea, miraculosa. Encontrava-a sem a procurar, sem a prever. Aparecia-lhe ao piano, súbita, completa, sublime, e acudia-lhe durante um passeio. Nesse caso, sentia-se ansioso para ouvir ele próprio no instrumento. Começava então o labor mais elevante, ao qual nunca assisti; era uma sucessão de esforços, de irresoluções, e impaciências, para recuperar determinados pormenores do tema que tinha no ouvido. O que ele concebia de uma sentada, analisava pormenorizadamente ao escrever. Ao não conseguir reconstituir o que ele julgava ser a pureza original do tema, desgostava-se e, ao seu desgosto lançava uma espécie de desespero. Encerrava-se em seu quarto um dia inteiro, chorando, passeando nervosamente, partindo as penas; repetindo ou modificando cem vezes um compasso. Escrevendo e apagando para logo recomeçar no dia seguinte com a mesma perseverança minuciosa, desesperada. Passava seis semanas debruçado sobre uma página para depois voltar a escrevê-la, tal qual como a traçara no primeiro impulso".

Trecho original:

… Sa création était spontanée, miraculeuse. Il la trouvait sans la chercher, sans la prévoir. Elle venait sur son piano, soudaine, complète, sublime, ou elle se chantait dans sa tête pendant une promenade, et il avait hâte de se la faire entendre à lui-même en la jetant sur l’instrument. Mais alors commençait le labeur le plus navrant auquel j’aie jamais assisté. C’était une suite d’efforts, d’irrésolutions et d’impatience pour ressaisir certains détails du thème de son audition : ce qu’il avait conçu tout d’une pièce, il l’analysait trop en voulant l’écrire, et son regret de ne pas le retrouver net, selon lui, le jetait dans une sorte de désespoir. Il s’enfermait dans sa chambre des journées entières, pleurant, marchant, brisant ses plumes, répétant ou changeant cent fois une mesure, l’écrivant et l’effaçant autant de fois, et recommençant le lendemain avec une persévérance minutieuse et désespérée. Il passait six semaines sur une page pour en revenir à l’écrire telle qu’il l’avait tracée du premier jet…

https://fr.wikisource.org/wiki/George_Sand%2C_sa_vie_et_ses_%C5%93uvres/3/Texte_entier?utm_source=chatgpt.com