IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO

O Casamento da Música com a Verdade

porque só é eterno o que é genuíno

Edu Berlim

2/5/20253 min read

Não é incomum vermos músicas que nascem e morrem antes de chegar a “pré-adolescência”, enquanto outras (bem mais raras) parecem capazes de certa imortalidade. Essa é uma diferença (não tão sutil) entre a música enquanto entretenimento e a música enquanto Arte. Mas o que exatamente causa esse fenômeno que torna tão diferentes dois produtos ‘aparentemente iguais’?

Em verdade, sequer é incomum que uma música com menor grau técnico se torne imortal. Esse é o caso de ‘Tião Carrero e Pardinho’ e sua qualidade de gravação rústica, notas desafinadas na voz e nos violões, chiado de gravação e um sotaque carregado, mas que, ainda assim, são mais memoráveis que nomes como George Ezra, Grant Lee Buffalo, Renato Terra e Leno Azevedo – todos surgidos em décadas seguintes as do início da carreira da dupla.

Essa característica peculiar chamada ‘imortalidade’ nasce daquilo que há de mais importante na Arte: a Verdade. É evidente que esta não é uma Verdade qualquer como a “verdade relativa” sofística ou com as “verdades incontestáveis” pautadas no sucesso temporal de algum produto de entretenimento. Esta Verdade é caracterizada por uma Verdade última, uma Verdade que toca o divino e que não pode ser compreendida. É a Verdade que santifica, que glorifica, que eterniza, que torna imaculada a obra de pequenos seres humanos dotados da mortalidade: ela é a breve visão de algo sagrado.

Músicas incapazes de carregar algo de verdadeiro não passam de mero entretenimento, algo fadado ao esquecimento que a passagem do tempo traz. Não existe imortalidade disponível para o que não é verdadeiro. E ser apenas verdadeiro não basta para a arte, pois suas demandas seguintes ainda hão de incluir Harmonia e Beleza – mais dois conceitos que não podem ser distorcidos, não importa quanto esforço se tenha em cima disso.

Essa eternidade que toca a música não é incomum nos interiores intocados pela loucura urbana que precisa tornar tudo um produto do agrado, um bem de consumo. Nomes como Elomar Figueira Melo, Luiz Gonzaga e Dominguinhos carregam uma incontestável verdade interiorana rumo aos grandes centros. E não é que tenha sido diferente com nomes como ‘Chitãozinho & Xororó’, mas quando tu trabalha uma carreira tão grande, momentos de mero entretenimento se entremeiam naquilo que há de mais verdadeiro.

Mas não é como se as cidades não pudessem apresentar músicos que alcançam essa mesma Verdade e rumam em direção a eternidade. Se Cazuza parece ter tocado essa verdade por um instante, é impossível dizer que Tom Jobim não tenha mergulhado dentro dela. Não há ‘gênio’ da música que não conheça esse toque divino.

Esse mesmo é o caso da recente Kell Smith que há alguns anos parece ter tocado este enlace divino com a música ‘Era Uma Vez’, da mesma forma que talvez Teddy Swims a esteja tocando agora com sua ‘Lose Control’. Tocar a Verdade não é o mesmo que trazê-la para si e é importante que isso esteja firme no pensamento dos que se movem em direção a Arte.

O entretenimento sempre será maior que a Verdade, pois propagar o vício é sempre mais rápido e fácil que propagar verdadeira poesia. A Verdade precisa ultrapassar a inevitável fronteira do início da jornada, da chamada iniciação, para tornar-se imortal. E depois disso há um longo caminho, pois a eternidade não tem pressa. Toda escolha tomada nesta direção será um sacro ofício a ser enfrentado e a dor será sua eterna companheira, não importando se são as chagas ou uma coroa de espinhos. O entretenimento precisa atacar a Arte, pois sua ascensão mostra suas máculas e sua temporalidade escassa; quando um Tom Jobim surge como imortal, nós esquecemos dos que ofereciam circo ao seu redor, pois tudo o que resta é seu Urubu se alimentando das carcaças daquilo que já foi “hit”...