IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO
Liber Null e Metamorfose
ou 'os estados de gnose de um inseto'
Eduardo Berlim
2/6/20252 min read


METAMORFOSE, de Kafka, e LIBER NULL, de Peter Carroll, se conectam?
Sim! Eles se conectam muito bem!
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O Liber Null, do Peter Carroll, é um dos mais famosos livros da chamada "Magia do Caos". Dentre técnicas e práticas, teorias e explicações, é normal ver-se destacar seu capítulo sobre os "estados de gnose". Esta gnose, quase rebatizada por Carroll, refere-se a algo como um estado de êxtase – que muitas vezes é chamado de estado profético pelas tradições.
Ainda se vale dizer que a gnose descrita pelo Carroll funciona de combustível para a ativação de sigilos e servidores de sua doutrina. Austin Osman Spare, o chamado "pai da magia do caos", não descrevia estes estados como “algo a ser apenas alcançado”, mas como algo a ser mantido: uma forma de conexão tão profunda com a arte que te torna um servo deste divino ente superior. Este estado da Arte é base notória de toda a obra de Spare, que depois foi desmembrada na moderna ‘Magia do Caos’.
Mas se Spare tinha seus quadros e pinturas como uma forma de acessar este conhecimento superior, ainda resta a literatura àqueles não agraciados com o dom desta arte (como me incluo). A arte imaginativa da pintura sempre pode ser substituída pela arte imaginária da leitura adequada.
Em ‘A Metamorfose’, de Franz Kafka, o caixeiro-viajante Gregor Samsa acorda metamorfoseado em um enorme inseto. O breve conto mistura um horror psicológico e um temor do incompreensível que chega a ser tão visceral quanto horror cósmico de Lovecraft. Vivenciar este tipo de angústia literária é uma curiosa forma de alcançar o estado alterado de consciência descrito por Carroll e, assim, conseguir um curioso poder de ativação de certos desejos sigilados.
No fim, Spare parece coerente em seu uso da arte como combustível último da criação. Ao dizer que "O homem é um feixe de hábitos moldados por influências externas, que ele chama de si mesmo; mas esses hábitos, formados por seu ambiente, não são seu verdadeiro eu" ele já parecia nos atentar aos pesadelos que a metamorfose poderia nos causar. No fim, ele e Kafka concordariam que "a literatura é sempre uma expedição à verdade"; uma jornada rumo ao caminho de algo tão sagrado capaz tornar homens como Spare, Kafka e Carroll incapazes de dizer algo contra a existência de Deus.