IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO

Enchiridion de 365 dias

magia ou fórmula para a conversão?

Eduardo Berlim

8/18/20254 min read

Iniciei no ano passado, exatamente no dia vinte e cinco de dezembro, uma breve saga de um ano: realizar o Calendário Honorífico nos moldes do Enchiridion, conhecido como ‘o Grimório do Papa Leão III’. O ritual é bastante simples e trouxe traços de um outro grimório conhecido como ‘Semíforas e Shem HaMephorash’ (שם המפורש).

Todos os dias, a partir da data inicial, faria uma série de orações católicas clássicas, como a Crux Sancti de São Bento, o Pater Noster (que começo a realizar em grego) e as orações clássicas de Nossa Senhora (Ave Maria e Salve Rainha), somaria isso com orações pessoais minhas, como as orações dos dias da semana e minha variação da Benção do Local, e encerraria a abertura com a oração do próprio Enchiridion para cada dia da semana.

Daí as coisas começam a ficar interessantes, pois uma lista com todos os Santos católicos foi feita. Bem, com todos os Santos que pude encontrar, incluindo-se datas festivas, beatos e bem-aventurados. As orações desses dias também são feitas cada uma em seu dia específico – e sobre isso posso lhes dizer que poucos sabem quantas vezes o terço ou o rosário aparecem nos dias santos.

No momento em que os Santos são chamados, passei ao uso de uma Semífora específica: aquela que ata um ser ou uma força a um objeto específico, atando, assim, cada Santo ou força católica à minha Bíblia de Primeira Comunhão, que me foi dada pela minha avó quando eu era uma pequena criança. Parecia, a princípio, uma prática extremamente interessante.

Inicie ela junto da minha esposa e alguns amigos. Um desses amigos, que vou chamar aqui de CAIO apenas para manter o seu sigilo, trouxe a ideia de também atarmos os Anjos dos 72 Nomes, além dos Anjos de Decanatos, Planetas, Esferas etc. Enfim, um enorme número de seres angelicais que faziam sentido dentro da prática.

E aqui eu tenho que trazer a primeira explicação: atar, nesta via grimorial, não é o mesmo que prender. Quando ato um Santo Agostinho ou um Vehuiah a uma Bíblia eu não estou privando o mundo de suas forças, tornando prisioneira a alma imortal de um Santo ou a força não-nascida de um Anjo. É um processo similar ao uso de pedras, cristais, água do mar ou da fundação de um terreiro ou igreja: você traz um pouco daquela força, daquela essência, para si, mas tu não tens qualquer capacidade de privar o mundo dela.

Enchiridion significa algo como “livro de bolso” e toda a ideia era justamente essa: transformar um objeto neste “livro de bolso”, capaz de facilitar o contato, facilitar o reconhecimento e me deixar mais próximo de uma força, uma essência específica. Mas pode Ícaro voar próximo ao Sol sem que suas asas de cera sejam derretidas?

Bem... Dos amigos que iniciaram o processo; um desistiu completamente, outro faz tudo com certo atraso, reunindo muitos Santos e Anjos em dias únicos, e um terceiro eu não sei dizer. De outra prática que somamos, a da leitura da Bíblia dividida em trezentas e sessenta e cinco partes, acredito que apenas eu e minha esposa vigoramos até aqui. Não é uma prática fácil, admito. Exige constância. Muita constância.

Ocorre que nesse tempo a “magia saiu pela culatra” e começo a ter cada vez mais vontade de ir à missa aos domingos. Mas não uma missa aleatória de uma igreja qualquer, pois meu ranço do rito carismático se acentuou. É um anseio pelo Rito Grego, pela Missa Tridentina ou mesmo por uma ortodoxa oriental séria. Isso inclusive tem me deixado cada vez mais apaixonado pelo estudo do grego koiné, língua em que o Novo Testamento foi escrito. Quase gastei uma pequena fortuna em comentários às Epístolas de Paulo, por sinal. Minha esposa criou um certo hábito de postar versículos da Bíblia no Instagram – um fato muito curioso.

Outra coisa interessante foi a redução drástica dos rituais que costumava fazer: eu simplesmente não sinto a menor necessidade. Parece que qualquer coisa que preciso, qualquer necessidade, passa a ser prontamente atendida assim que inicio recito “Salve Rainha, Mãe de Misericórdia (...)”. Aliás, rezar o terço passou a ser uma coisa estranhamente prazerosa.

Eu sempre disse que se um dia eu voltasse ao catolicismo, que me “re-convertesse”, seria por indulto da Santa Mãe e já faz alguns meses que não consigo ouvir Romaria sem que eu veja sua imagem na minha mente. Há algo de encanto; uma doçura e uma paz tão grandes que começo a entender por que os sertões clamam seu nome e porque tantos peregrinos caminham no doze de outubro para uma cidade em que até mesmo Bento XVI se hospedou (e sobre isso ouvi uma das histórias mais incríveis da minha vida).

Por sinal, como explicar a coincidência de que no ano em que inicio o Grimório do Papa Leão outro Papa Leão é anunciado? É óbvio que não sou do “clube dos esquizotéricos” que acredita que isso possa ser um sinal de Deus só pra mim. Isso é, no mínimo, imbecil. Os sinais não são nossos; eles se tornam nossos.

No fim, me pergunto: esses trezentos e sessenta e cinco dias são um trabalho mágico ou um trabalho de conversão? Talvez a história de que certos grimórios são “propagandas” da igreja não seja tão estranha, afinal...