IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO

Damien Rice, Jude Law, Natalie Portman e os Sopradores da Alquimia

ou 'the blower's daughter is just another Alice chasing rabbits'

Eduardo Berlim

1/8/20253 min read

down the rabbit hole sign
down the rabbit hole sign

A “anti-comédia romância” Closer, lançada em 2004, apresenta um enredo bastante curioso: o egoísmo da humanidade em suas relações amorosas quando a confusão perceptiva se entrelaça com mentiras, paixões e frustrações. O psicanalista Sigmund Freud diria que quando há amor, há também o ‘objeto do amor’, e esta relação ultrapassa as fronteiras do instinto sexual na medida em que necessidades das carências se observam.

Larry (Clive Owen) e Dan (Jude Law) parecem incapazes de levar a relação para fora das fronteiras do instinto sexual, enquanto Alice (Natalie Portman) e Anna (Julia Roberts) usam o sexo como arma para sanar suas frustrações emocionais, sociais e existenciais, gerando um complexo entrelaçamento que foge da linearidade tradicional das paixões. Essa característica de incompletude nos mostra que nenhum deste trabalho é completo por si mesmo e é nesse ponto que veremos algumas correlações interessantes com os chamados sopradores alquímicos.

Dan se considera um homem mais “feminino e cerebral”, enquanto Larry se considera uma espécie de “neandertal moderno”; e isso nos mostra que nenhum dos dois pode ser considerado completo na dominância do instinto masculino. Da mesma forma, Anna apresenta-se como alguém estável e madura, enquanto Alice é impulsiva, imatura e sexualmente poderosa: faces naturalmente percebidas na Imperatriz e na Sacerdotisa do Tarot, respectivamente. Com isto, é evidente que não há uma verdadeira sinergia entre os personagens e, por mais que nos seja natural associar a imaturidade ao ponto masculino da trama, há uma severa ausência de compromisso por parte das protagonistas femininas. Alice sequer é o nome verdadeiro da personagem, enquanto Anna é facilmente entrelaçada na disputa de homens que não percebem que o Mago e o Imperador só não são complementares no mundo arquetípico.

Mas Damien Rice parece discordar bastante dessa dualidade ao cantar “life goes easy on me most of the time”: sua letra é íntima, pessoal e extremamente egoísta e sua preocupação é com o Si Mesmo. Sua pupila nega o que vê e, por mais que ele seja incapaz de tirar os olhos do alvo de sua paixão, ele entende que as águas frias são o gélido coração daquela que é apenas a filha de um soprador. Mesmo o canto soproso de Lisa Hannigan expressa um “did I say that I loath you?” com um detestar (loath) que se confunde com amor (love).

É ainda mais curioso que The Blower’s Daughter não respeita o tempo da música, mas o tempo das cenas do filme: não há uma métrica naturalmente musical, pois a representação de Damien é uma representação da vida como apresentada na tela. Sua incompletude é a mesma dos que buscam apenas uma transmutação física da natureza, apenas o impulso sexual das relações afetivas e esta é uma referência bastante interessante a uma alquimia que buscava uma pedra filosofal externa sem qualquer busca interior. Mais curioso ainda é a música ser anterior ao filme, talvez inspirada na peça de teatro homônima, talvez não. É a mais pura arte imitando a arte.

Assim como Alice, os sopradores trocavam seus nomes, seus senhores e suas buscas conforme a ocasião. Era um anátema de suas próprias práticas, hereges de sua própria religião, incapazes de seguir por uma senda verdadeira porque a verdade não lhes pertencia. Alice não entrega seu nome verdadeiro, preferindo apresentar-se como um cadáver do primeiro encontro com Dan e, por mais que seu nome verdadeiro tenha sido entregue ao mais primitivo de seus pares, ela mostrou que toda sua trajetória é apenas uma aventura, meras palavras ao vento que sopra sem cessar...

Não a toa, os versos finais de Damien parecem ser só para ela: “I can’t take my mind of you... 'Til I find somebody new...