IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO

Arcabouço Simbólico x Imaginário

uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa

Eduardo Berlim

6/9/20253 min read

Participei, na semana passada, de um bate-papo com a Vanessa Lanaro do Conexão Pagã, onde entrei no tema da ‘formação do imaginário em magia’. Neste tema, que me é bastante caro, gosto de dizer que existem passos a serem seguidos, talvez se tenha até um roteiro pré-determinado para esta construção consciente de um forte imaginário. Mas no que diferencia esta ideia de ‘imaginário’ para o ‘arcabouço simbólico’ que tantas vezes foi citado neste bate-papo?

Bem... Como ultimamente tenho me dedicado à leitura da obra completa de Platão, me sinto inclinado a usar um dos alicerces da pedagogia socrática, pois quando falamos de temas abstratos é comum que a aporia nos tome de súbito e que todo o entendimento possa ser prejudicado. Contudo, diferente dos questionamentos infinitos dos diálogos com nomes de personagem, usarei a abordagem menos comentada do filósofo (mas que de forma alguma é menos presente): o comparativo.

Quando falamos de linguagem temos uma necessária divisão entre a mecânica formal da língua e a licença poética presentes em sua aplicação. O nosso arcabouço, nosso ‘baúzinho cheio de símbolos’, é uma caixa de Lego, de peças de montar; ele forma a base que sustentará nossa existência, sendo a gramática e o vocabulário de uma língua formal – da mesma forma que o alfabeto pode ser visto através de uma comparação arquetípica, por assim dizer (e não, alfabetos não são arquétipos... pelo amor de Deus...).

Dentro deste comparativo, o imaginário apresenta-se como o “literar”, o formador de literaturas, de metáforas, de poesia. Em suma, ele não é o uso expresso da gramática, pois há uma finalidade superior à da mera comunicação. Enquanto a gramática e o vocabulário têm, por ratio essendi, esta tarefa de permitir a comunicação, permitir que pessoas diferentes se entendam atadas pelas mesmas regras de conjugação, função sintática e formação de orações coordenadas e subordinadas, a literatura visa, antes de tudo, confundir aquilo que parecia simples, usando do criativo aplicado na linguagem usual.

Perceba que é este poder metafórico que torna engraçado o insultuoso humor de Maurício Meireles, que traz lágrimas ao discurso de Martin Luther King, que traz “peso” (característica impossível à vibração que propaga som) à morte de um Boromir redimido pelo Rei de Gondor. Sem essa metáfora, Dom Quixote não passa de um surto psiquiátrico grave e ficção não é mais que mera mentira para entreter o tolo.

Os símbolos formam esse vocabulário com intuito comunicativo, enquanto o imaginário é a ação destes símbolos de forma inventiva: é a permissão da Criatura de se tornar Criador. Por isso o arcabouço precisa ser estruturado, sistemático, enquanto o imaginário necessita ser fluídico, afetivo; o primeiro precisa ser base estrutural, argamassa e tijolos da casa construída, o segundo molda experiências, constrói o desejo, é a arquitetura gótica da Catedral de Milão.

O conjunto organizado de símbolos que atua como um dicionário sempre será diferente desta forma estranha que temos de representar mitos, culturas, valores imagéticos e imaginários que construímos para sedimentar os personagens da existência que somos nós. Gramática é o mapa da Terra Média, imaginário é Bilbo Bolseiro escrevendo poemas – ou, em “rita-lee-ês”, “amor é bossa-nova, sexo é carnaval”. Símbolo é o concreto, imaginário é o abstrato.

E se isso te deixou de “orelhas em pé” se perguntando “como pode o símbolo, que se refere ao abstrato indescritível, ser a parte concreta de tudo?”, bem... Tenho uma notícia complicada para você: o concreto se refere ao abstrato que surge a partir de algo concreto com natureza abstrata, precisando retomar algo concreto que, antes foi abstrato... Talvez você não consiga vislumbrar como essa coisa toda surge de forma primária e esteja se perguntando “quem veio primeiro, a metáfora ou a metonímia?” (e quando isso se torna catacrese?).

Acho que tudo piora se eu disser que não há um “primeiro” entre os dois. E talvez piore ainda mais se eu disser que a ciência chama isso de ‘Big Bang’ e a religião chama isso de ‘Que haja Luz!”. Afinal, a dualidade é uma questão para nós, meros mortais tão duplos em absolutamente tudo, incapazes de compreender que antes de gramática e de imaginário, precisa haver Verbo..., mas esse é um papo para outro dia...