IMAGINÁRIO EM PERPÉTUA CRIAÇÃO

A Música das Esferas

Ainulindalë

Edu Berlim

1/29/20252 min read

A chamada ‘música das esferas’ ou ‘musica universalis é um conceito filosófico que aponta para o movimento das esferas celestes: uma dança macrocósmica de pura harmonia divina e matemática que reflete os acontecimentos no microcosmos – e vice-versa. Essa mecânica celeste nos remete, de certa forma, ao próprio conceito da astrologia clássica em que os planetas e luminares são ponteiros em um relógio celestial que influencia acontecimentos no chão. No fim, a musica universalis e a astrologia são necessários reflexos de uma Tábua de esmeralda que clama: Quod est inferius est sicut quod est superius, et quod est superius est sicut quod est inferius, ad perpetranda miracula rei unius.

Em música, há um traço bastante curioso entre escolas que adotaram o conceito de música das esferas e os chamados ‘modos gregos’. Estes modos são organizações naturais dos sons que diz-se surgidos na antiga Grécia. Levam nomes em acordo com suas regiões e aqui as coisas ficam bastante intrigantes: a escola filosófica da Jônia, de onde se destacam nomes como Tales de Mileto, Anaximenes, Anaximanos e Diógenes de Apolônia, dá nome ao modo Jônico ou Iônico – também conhecido como “modo maior” ou “escala maior”.

Tonalidades maiores se caracterizam pela sequência intervalar de dois tons inteiros, um semitom, três tons inteiros e outro semitom. A própria observação intervalar deste modo aplicada na roda dos signos parece gerar sequências de signos e casas bastante específicas. Também é natural uma certa percepção de semitons intervalares como os luminares que regem apenas um signo (e o semitom carrega uma única nota de intervalo) e tons como planetas que regem dois (um tom inteiro carrega duas notas de intervalo). De doze notas possíveis, usamos sete por escala; tal qual doze signos terão no máximo sete escolhidos pelos planetas clássicos.

Mas os outros modos são igualmente curiosos...

Aliás, são bem mais curiosos, pois eles soam de maneira bastante estranha para nossos ouvidos acostumados com as tonalidades maior natural e menor natural. O Lócrio, por exemplo, é bastante característica na ‘Mines of Narshe’ de Nobuo Uematsu, trilha sonora de Final Fantasy VI

O Frígio, que é basicamente um Jônio invertido, costuma trazer uma espécie de sensação claustrofóbica, ameaçadora. É usada, inclusive, em muitos jogos de videogame para criar a percepção de entrar em “território perigoso” como a batalha contra Magus, no clássico Chrono Trigger, ou na música de batalha de Pokémon Red/Blue. Particularmente, acho que o Muse acertou em usar este modo em uma música chamada Stockholm Syndrome:

Para não me alongar em Dórico, Frígio, Lídio e Mixolídio, vamos encerrar observando o modo Eólio, também conhecido como “modo menor natural”. Este modo carrega um simbolismo interessante quando o percebemos como uma contraparte do modo Jônio, uma inversão nas funções harmônicas da dominante (I grau) com a superdominante (VI grau) que parece nos apresentar uma luz maior (Jônio) e uma luz menor que a reflete (Eólio) – ou os luminares Sol e Lua.

Pode ser mera coincidência, mas este modo foi o escolhido por Hans Zimmer para compor uma música sobre ser pai, um verdadeiro relacionamento entre essência e humanidade, entre pai e filho. Uma peça pequena e íntima, um presente de um interior tão humano que parece incapaz de ter luz própria, mas que, ao mesmo tempo, parece interestelar...